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Créditos Extemporâneos de PIS/COFINS: A Encruzilhada Pós-Súmula CARF nº 231 entre a Rota Conservadora e o Risco Calculado
Por: Guilherme Zucoloto
A recuperação de créditos tributários representa uma das mais eficientes ferramentas de gestão de caixa para as empresas brasileiras. Dentre as diversas oportunidades, o aproveitamento de créditos extemporâneos de PIS e COFINS – aqueles não utilizados no momento de sua constituição – sempre se destacou.
Contudo, uma recente decisão na esfera administrativa, materializada pela Súmula CARF nº 231, colocou os contribuintes em uma encruzilhada estratégica, forçando uma decisão crítica entre a segurança e o custo; e entre o direito e o procedimento.
Neste artigo, será analisado o cenário atual quanto à utilização dos créditos extemporâneos, dissecando o conflito entre o direito material do contribuinte, garantido por lei, e o formalismo procedimental imposto pela Receita Federal e agora endossado pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF). Serão avaliados, ainda, os caminhos possíveis e os fatores que devem guiar a decisão de cada companhia.
A base do direito: a supremacia da lei sobre o procedimento
O sistema não-cumulativo do PIS e da COFINS, instituído pelas Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003, foi desenhado para evitar o “efeito cascata” na tributação do consumo, permitindo que as empresas deduzam créditos de custos e despesas essenciais à sua atividade.
O fundamento legal para o aproveitamento do crédito não utilizado em seu tempo é explícito. O artigo 3º, § 4º, de ambas as leis estabelece, de forma inequívoca, que “o crédito não aproveitado em determinado mês poderá sê-lo nos meses subsequentes”.
A clareza do texto legal sustenta a posição sempre defendida pelos contribuintes: a lei federal concede o direito e não impõe qualquer condição para seu exercício, salvo o respeito ao prazo prescricional de cinco anos.
As razões para a não apropriação são variadas, indo de erros operacionais à evolução da jurisprudência, como a ampliação do conceito de “insumo” pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que “criou” retroativamente um vasto campo de créditos antes considerados incertos.
Contrariando a literalidade da lei, a Receita Federal do Brasil (RFB) construiu uma barreira procedimental. Por meio de Soluções de Consulta, notadamente a COSIT nº 54/2021, o Fisco firmou o entendimento de que o aproveitamento extemporâneo estaria condicionado à retificação da Escrituração Fiscal Digital das Contribuições (EFD-Contribuições) de cada período em que o crédito foi gerado. O argumento central da RFB reside na necessidade de rastreabilidade e controle para evitar o uso duplicado de créditos.
Essa exigência, contudo, é amplamente criticada por ser manifestamente ilegal, uma vez que um ato normativo infralegal não pode criar uma obrigação não prevista em lei, violando o princípio da legalidade estrita.
O ponto de inflexão: a súmula CARF nº 231 e o debate administrativo
Por anos, o CARF foi um campo de batalha sobre o tema, com decisões oscilantes que ora privilegiavam o direito material do contribuinte, ora o formalismo defendido pelo Fisco. Essa instabilidade aparentemente pendeu definitivamente para o outro lado da balança em setembro de 2025, com a edição da Súmula CARF nº 231, que, por ora, pacificou a matéria em favor da Fazenda, nos seguintes termos:
“O aproveitamento de créditos extemporâneos da contribuição para o PIS/Pasep e da COFINS exige a apresentação de DCTF e DACON retificadores, comprovando os créditos e os saldos credores dos trimestres correspondentes.”
Com efeito vinculante no âmbito administrativo, a Súmula tornou nula a chance de êxito para empresas que optem pelo aproveitamento direto, sem retificação, e sejam autuadas.
A crítica a essa decisão, contudo, é severa: trata-se do triunfo de um formalismo que ignora a própria evolução dos sistemas fiscais. A EFD-Contribuições possui campos específicos (Registros 1100 e 1500) para o lançamento de créditos de períodos anteriores, fornecendo à RFB os mecanismos de controle que ela alega buscar com a retificação. A Súmula, na prática, impõe uma barreira burocrática, onerosa e que pode inviabilizar a recuperação de créditos legítimos.
A arena judicial: o capítulo final ainda em aberto e a esperança dos contribuintes
Com a via administrativa efetivamente fechada, a disputa migra para o Poder Judiciário. A jurisprudência nos Tribunais Regionais Federais (TRFs) sobre o tema ainda é incipiente, e, de forma crucial, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ainda não se pronunciou em definitivo sobre a legalidade da exigência de retificação.
A expectativa é que a judicialização se intensifique.
Há um paralelo histórico com outras grandes teses tributárias, como a “tese do século” (exclusão do ICMS da base do PIS/COFINS), nas quais posições restritivas da RFB, por vezes validadas administrativamente, foram posteriormente derrubadas pelos Tribunais Superiores com base em princípios legais e constitucionais.
Espera-se que o Judiciário reafirme que o direito material previsto em lei não pode ser condicionado por um requisito procedimental criado por um ato normativo inferior.
A encruzilhada estratégica: duas rotas, múltiplas variáveis
Diante deste cenário, as empresas se deparam com duas abordagens distintas. A escolha depende de uma análise criteriosa de riscos, custos e do apetite de risco corporativo.
Caminho A: a rota conservadora (retificação das obrigações)
- Estratégia: Seguir a determinação da Súmula CARF nº 231, retificando todas as EFD-Contribuições dos períodos de origem dos créditos.
- Benefícios:
- Segurança Jurídica: Risco de autuação por esta questão formal é praticamente nulo na esfera administrativa.
- Ganho Financeiro: A retificação gera um indébito tributário que, ao ser compensado, é acrescido de juros pela taxa SELIC, desde a data do pagamento a maior.
- Riscos e Custos:
- Alto Custo Operacional: Processo de alta complexidade, oneroso e demorado, que demanda grande esforço das equipes fiscal, contábil e de TI.
- Risco de Fiscalização: A retificação de declarações passadas pode atrair a atenção do Fisco, abrindo a porta para uma auditoria mais ampla sobre outros aspectos da apuração tributária da empresa.
- Alto Custo Operacional: Processo de alta complexidade, oneroso e demorado, que demanda grande esforço das equipes fiscal, contábil e de TI.
Caminho B: a rota assertiva (aproveitamento direto)
- Estratégia: Com base na literalidade da lei, lançar o valor total dos créditos extemporâneos diretamente na EFD-Contribuições do período corrente.
- Benefícios:
- Custo Zero e Simplicidade: Procedimento rápido e sem custo operacional de retificação.
- Impacto Imediato no Caixa: O crédito é utilizado para abater débitos do próprio mês, melhorando o fluxo de caixa instantaneamente.
- Riscos e Custos:
- Autuação Certa: O risco de autuação, caso o procedimento seja identificado, é de praticamente 100%, exigindo preparo para o litígio.
- Perda da Correção Monetária: O crédito é aproveitado pelo valor nominal, sem o acréscimo da taxa SELIC.
- Ônus da Prova: Exige uma documentação impecável e auditável para comprovar a origem, a legitimidade e, principalmente, a não utilização anterior dos créditos, pois esta será a base da defesa judicial.
Conclusão e recomendações estratégicas
A Súmula CARF nº 231, embora tenha pacificado a discussão administrativa, gerou maior complexidade estratégica para os contribuintes. A decisão entre a rota conservadora e a assertiva não é trivial e deve ser precedida de uma análise criteriosa.
- Diagnóstico e Materialidade: O primeiro passo é conduzir um diagnóstico aprofundado para identificar e quantificar todos os créditos extemporâneos. O montante envolvido será o principal vetor da decisão.
- Documentação Robusta: Independentemente do caminho, a construção de um dossiê documental completo para cada crédito é imperativa. Essa será a espinha dorsal de qualquer defesa, administrativa ou judicial.
- Alinhamento ao Perfil de Risco: A decisão final deve estar alinhada à cultura da companhia. Empresas de capital aberto ou em processos de M&A podem preferir a segurança da retificação, enquanto outras com maior tolerância ao risco e capital para litígios podem optar pela rota assertiva.
A complexidade do tema, a consolidação do entendimento administrativo desfavorável e a iminência de uma disputa judicial tornam indispensável o suporte de uma assessoria jurídica especializada.
Nossa equipe de especialistas permanece à disposição para avaliar os impactos específicos em sua operação, mensurar os riscos de cada abordagem e desenhar a estratégia jurídica e processual mais segura e eficiente para garantir o aproveitamento de um direito que a própria lei assegura.
