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22 de outubro de 2025

A Penhora de Bens de Menores em Casos de Fraude à Execução e Confusão Patrimonial

Por: Carolina Milena da Silva

A proteção ao patrimônio do menor, um princípio basilar do ordenamento jurídico brasileiro, encontra limites quando utilizada como subterfúgio para a prática de atos ilícitos, como a fraude à execução e a ocultação de bens. A jurisprudência pátria, em especial a do Superior Tribunal de Justiça (STJ), tem consolidado o entendimento de que é possível atingir o patrimônio registrado em nome de filhos menores para satisfazer dívidas dos genitores, desde que robustamente comprovado o abuso de direito e a confusão patrimonial.

O caso concreto: TJSP e a confusão patrimonial evidenciada

Em recente decisão, a 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), no julgamento do Agravo de Instrumento nº 2334562-88.2024.8.26.0000, manteve a penhora sobre valores depositados em contas bancárias de titularidade dos filhos menores do executado. A decisão fundamentou-se na existência de fortes indícios de confusão patrimonial e fraude à execução.

O devedor sustentou que os valores seriam fruto de doações dos avós, mas não produziu prova inequívoca de suas alegações, ônus que lhe incumbia por força do art. 373, I, do Código de Processo Civil. Em contrapartida, a análise dos extratos bancários revelou movimentações financeiras — como pagamentos de aluguel, seguro de veículo e despesas em estabelecimentos comerciais de natureza adulta — que se mostraram absolutamente incompatíveis com a tenra idade dos menores.

O Tribunal concluiu que o genitor era o verdadeiro controlador e beneficiário das contas, utilizando-as como “escudo para proteger seu patrimônio da ação dos credores”. A decisão reafirmou a tese de que a proteção ao patrimônio do menor não pode servir de manto para a prática de atos fraudulentos, chancelando o abuso de direito e esvaziando o sentido da execução.

O Fundamento jurídico: fraude à execução e desconsideração inversa da personalidade jurídica

A possibilidade de alcançar bens de terceiros para satisfazer uma dívida do executado ampara-se, principalmente, em dois institutos: a fraude à execução e a desconsideração da personalidade jurídica, em sua modalidade inversa.

  • Fraude à Execução: Configura-se quando o devedor aliena ou onera seus bens no curso de uma ação judicial capaz de reduzi-lo à insolvência (art. 792, IV, do CPC). A jurisprudência tem reconhecido a fraude em casos de doação de bens a filhos após a citação do devedor, presumindo-se o intuito de frustrar a execução.
  • Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica: Embora o caso do TJSP trate de pessoas físicas, o raciocínio aplicado é análogo ao da desconsideração inversa. Este mecanismo, previsto no art. 50 do Código Civil, permite que o patrimônio de uma pessoa jurídica seja utilizado para quitar dívidas de seus sócios quando comprovado o abuso da personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. O STJ pacificou o entendimento de que tal medida é aplicável para coibir que o devedor oculte seu patrimônio pessoal em nome de empresas.
    • STJ — REsp 948117 MS 2007/0045262-5 — um dos precedentes sobre o tema, estabeleceu que a desconsideração inversa é possível para atingir bens da sociedade em razão de dívidas do sócio controlador, desde que preenchidos os requisitos de fraude ou abuso de direito.
    • Mais recentemente, o STJ — REsp 2095942 PR 2022/0109419-6 — admitiu a desconsideração inversa para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica (pertencente aos filhos) para ocultar patrimônio, com prejuízo a terceiros.

Requisitos e provas necessárias

Para que a penhora sobre bens de filhos menores seja considerada legítima, é indispensável a produção de prova robusta por parte do credor, demonstrando:

  • Confusão Patrimonial: Provas de que o devedor utiliza os recursos ou bens do menor como se fossem seus, pagando despesas pessoais e administrando o patrimônio sem distinção. Extratos bancários, faturas de cartão de crédito e comprovantes de despesas são essenciais.
  • Abuso de Direito e Desvio de Finalidade: Evidências de que a transferência de bens ou o registro de valores em nome do menor não visou ao seu melhor interesse, mas sim à blindagem patrimonial do genitor contra credores.
  • Insolvência ou Ausência de Outros Bens: A medida constritiva torna-se ainda mais justificada quando o devedor não possui outros bens penhoráveis para garantir a execução.

Conclusão

A decisão do TJSP, alinhada ao entendimento dos tribunais superiores, reforça que o princípio do melhor interesse da criança e a proteção de seu patrimônio não constituem um direito absoluto. Quando utilizados de forma abusiva para fraudar credores e frustrar a efetividade da Justiça, a autonomia patrimonial pode e deve ser afastada para garantir o cumprimento das obrigações, responsabilizando o devedor que se oculta por trás do patrimônio de seus filhos.