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Nova regulamentação da busca e apreensão extrajudicial: impactos práticos e jurídicos
Por: Bruna Pinafo
A Lei nº 14.711/2023, conhecida como Marco Legal das Garantias, promoveu relevantes atualizações no regime da alienação fiduciária de bens móveis, com impacto direto nos contratos de financiamento, especialmente no setor de veículos, máquinas e equipamentos.
Uma das principais inovações é a regulamentação da busca e apreensão extrajudicial, que permite ao credor recuperar o bem fiduciariamente alienado sem a necessidade de recorrer imediatamente ao Poder Judiciário, desde que observados os requisitos legais.
O procedimento busca conferir maior eficiência, segurança jurídica e celeridade na execução das garantias, harmonizando os interesses das partes contratantes e contribuindo para a redução do custo do crédito.
Evolução legislativa e panorama atual
A alienação fiduciária de bens móveis, regida pelo Decreto-Lei nº 911/1969, sempre previu a possibilidade de busca e apreensão judicial como meio de satisfação da garantia em caso de inadimplemento. Com a edição da Lei nº 14.711/2023, passou a ser admitida, de forma expressa, a possibilidade de o credor promover a retomada do bem por via extrajudicial, mediante procedimento formalizado no Ofício de Registro de Títulos e Documentos, desde que observadas as formalidades previstas. Trata-se de um avanço no ambiente negocial, que visa reduzir a dependência do Judiciário para questões patrimoniais de natureza privada, alinhando o ordenamento jurídico brasileiro às práticas de diversos sistemas internacionais.
Formalidades necessárias do contrato
O contrato que estabelece a alienação fiduciária com possibilidade de execução extrajudicial deve atender a requisitos mínimos formais, garantindo segurança jurídica às partes envolvidas. Entre as informações obrigatórias estão: a descrição detalhada do bem dado em garantia, o valor principal da dívida, o prazo e as condições de pagamento, além da taxa de juros e demais encargos aplicáveis. O instrumento contratual deve conter, ainda, cláusula expressa e destacada autorizando a execução extrajudicial da garantia, conforme o art. 8º-B do Decreto-Lei nº 911/1969, bem como estipular a forma de constituição em mora do devedor, nos termos do §2º do art. 2º do mesmo diploma legal. Também é necessário definir o critério para apuração do saldo devedor em caso de inadimplemento, as condições para eventual venda do bem e o procedimento para sua entrega voluntária pelo devedor fiduciante.
Etapas do procedimento extrajudicial:
O procedimento está estruturado nas seguintes etapas principais:
Configuração da Inadimplência: Verificação objetiva do inadimplemento contratual, conforme cláusulas pactuadas.
Requerimento ao Cartório: O credor protocola pedido de notificação do devedor, instruído com os documentos que comprovem a existência do contrato, a constituição da garantia fiduciária e a inadimplência.
Notificação: Realizada preferencialmente por meio eletrônico, ou, subsidiariamente, via postal com aviso de recebimento. A notificação concede ao devedor o prazo legal de 20 dias para:
- Efetuar o pagamento da dívida (purgação da mora);
- Apresentar impugnação administrativa, restrita a aspectos formais do procedimento ou do contrato.
Decisão Administrativa: Caso haja impugnação, o oficial do cartório avaliará sua pertinência, limitando-se a aspectos formais. Impugnações de mérito contratual ou discussões de cláusulas devem ser levadas à esfera judicial.
Da possibilidade de entrega espontânea do bem: Na hipótese de não pagamento voluntário da dívida no prazo legal, não conhecimento ou indeferimento da impugnação, o devedor deverá, no prazo de 20 (vinte) dias corridos, entregar ou disponibilizar o bem, de acordo com as instruções indicadas pelo credor.
Certidão de Busca e Apreensão: Caso o bem não seja entregue voluntariamente, o cartório emite certidão que viabiliza a adoção de medidas extrajudiciais, inclusive o bloqueio do veículo nos sistemas de registro, impedindo sua circulação, venda ou transferência.
Apreensão do Bem: O oficial do registro de títulos e documentos comparecerá ao local indicado pelo credor, acompanhado deste, para efetuar a entrega da posse do bem ao credor. Havendo recusa, o credor poderá adotar as medidas cabíveis, inclusive conversão do procedimento para a via judicial. Efetivada a apreensão, o registrador fará as averbações necessárias e consolidará a posse do bem em nome do credor.
Prazo para Regularização: Após a apreensão, abre-se ao devedor o prazo legal de cinco dias úteis para efetuar o pagamento integral da obrigação, acrescida dos encargos e despesas, podendo, neste caso, ser revertida a consolidação da posse em seu favor.
Alienação do Bem: Finalizado o procedimento, o credor poderá promover a venda do bem, com destinação dos valores à quitação ou amortização da dívida e devolução de eventual saldo remanescente ao devedor.
Atuação da autoridade policial
O ordenamento jurídico não prevê a participação obrigatória da polícia no procedimento extrajudicial. Contudo, a presença da autoridade policial poderá ser solicitada em situações que envolvam risco à ordem pública, garantia da integridade dos envolvidos ou prevenção de eventuais ilícitos.
Importante ressaltar que a presença policial, nesse contexto, tem caráter de suporte à manutenção da ordem e não de execução do ato de apreensão, cuja efetividade depende da colaboração das partes ou, na ausência desta, da via judicial.
Segurança jurídica e eficiência contratual
A busca e apreensão extrajudicial, introduzida pela Lei nº 14.711/2023, representa um mecanismo eficaz para assegurar o cumprimento das garantias fiduciárias, reduzindo custos operacionais, mitigando riscos e proporcionando maior previsibilidade às operações de crédito. O procedimento é dotado de formalidades que visam assegurar transparência, publicidade e segurança jurídica às partes, preservando o equilíbrio contratual e a livre pactuação.
Considerações finais
O novo regime da alienação fiduciária, com a possibilidade de busca e apreensão extrajudicial, consolida uma ferramenta relevante no contexto das garantias no mercado de crédito.
Embora não substitua integralmente a via judicial, oferece uma alternativa célere e eficiente para a satisfação do direito creditício, desde que observados rigorosamente os limites legais e os procedimentos formais exigidos.
A correta aplicação deste instrumento requer alinhamento entre as áreas jurídica, operacional e de compliance das empresas, garantindo que o procedimento seja conduzido dentro dos parâmetros legais, com mitigação de riscos e pleno respeito às normas aplicáveis.