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Cessão de créditos públicos: lacunas que ainda aguardam definição
Por: Gabrielle Coghi e Gustavo Flores
Como já fora exaustivamente veiculado no universo jurídico, com preponderância nas esferas tributária e administrativa, no segundo semestre de 2024, foi promulgada a Lei Complementar nº 208 (mais especificadamente em 2 de julho de 2024) (“LC 208”), ou seja, maior parte dos advogados atuantes nos setores relacionados já detém conhecimento solidificado quanto ao objeto, aplicabilidade, abrangência e público-alvo englobados pela LC 208.
Previamente à abordagem de certos pontos da LC 208 que ainda remanescem de aprofundamento direcionado e/ou de ampla discussão, os quais, inclusive, perfazem a essência deste artigo, consideramos válido relembrar de modo sintetizado os conceitos e objetivos genéricos da norma em comento, conforme segue:
- Autorizar cessão onerosa de créditos (tributários ou não) detidos pelos Entes da Federação;
- Cria um padrão de Operações de Cessão de Créditos Públicos e proporciona maior segurança jurídica aos cessionários, haja vista que as alterações implementadas na Lei de Responsabilidade Fiscal diminuem potencialmente a formulação dos questionamentos que eram comumente suscitados por órgãos públicos reguladores/fiscalizadores no contexto da Securitização de Créditos Públicos via emissão e oferta de Debêntures Subordinadas e/ou Cotas de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (“FIDC”), praticadas antes da vigência da LC 208;
- Estabelece benefícios (relevantes) dos Entes Federados: (i) Possibilidade de Antecipação de Receitas (inclusive, àquelas inscritas em Dívida Ativa); (ii) Redução dos índices de inadimplência por parte dos devedores; (iii) Redução dos índices de endividamento dos cofres públicos; (iv) Possibilidade dos Entes Públicos aumentarem a captação de receitas sem necessidade de criação de novos impostos ou majoração das alíquotas existentes; (v) Total Transferência do Risco de Inadimplemento ao Cessionário; e (vi) a cessão deve ocorrer por preço justo, inclusive, devendo ser respeitado percentual máximo de deságio sobre os créditos;
- Aplicação de percentual de deságio fora dos parâmetros de mercado e/ou inferior ao estipulado em lei própria deverá ser previamente analisado pelo Tribunal de Contas competente;
- Inclusão do protesto judicial ou extrajudicial como causa interruptiva da prescrição dos créditos tributários (artigo 174, inciso II da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (“CTN”)), resultando em: (i) Extensão do prazo originalmente concedido ao Fisco para cobrança de dívidas; (ii) reforço das medidas administrativas e melhor uso dos mecanismos de cobrança; e (iii) maior eficiência na recuperação dos créditos públicos;
- Afastar a caracterização da Cessão Onerosa de Créditos Públicos como Operação de Crédito, Adiantamento de Receita e/ou Concessão de Garantias, resultando em não incidência dos artigos 29, incisos III e IV e 37 da Lei Complementar nº 101/2000 (“Lei de Responsabilidade Fiscal”);
- Criação do dever de cooperação e compartilhamento de dados sigilosos entre os Entes Federados e órgãos públicos/particulares; e
- Reconhece operações de Cessão de Créditos Públicos ocorridas antes da LC 208 e ratifica a aplicação de suas respectivas leis autorizativas como principais normas aplicáveis.
Após rememorarmos conceitos da LC 208 que apesar de guardarem extrema relevância já foram exaustivamente apresentados tanto no universo jurídico como na própria mídia comum, por meio deste artigo buscamos pontuar alguns aspectos secundários da LC 208, que ao contrário do conteúdo acima, não foram pontos de grande enfoque. Desta forma, preparamos a relação abaixo tanto com a indicação dos Pontos Remanescentes LC 208, assim como demonstrando nossa linha de raciocínio aplicável item a item (de forma resumida):
Critérios Elegibilidade Créditos: A LC 208 não dispõe de modo claro e objetivo se os Créditos devem atender de modo cumulativo os critérios de constituição + reconhecimento. A redação atual da LC 208 em discussão apenas dispõe “créditos constituídos já reconhecidos”. Há polêmica neste sentido, haja vista entendimento de que o reconhecimento somente caberia para créditos ainda não inscritos em dívida ativa.
Formalização Créditos Tributários: É possível verificarmos menção do reconhecimento dos créditos tributários via parcelamento administrativo. Todavia, na esfera tributária é possível que tal reconhecimento se dê por meio de outras formas (exemplo: formalização de concessões públicas mediante celebração do respectivo contrato). Sendo assim, o texto legal carece de riqueza de detalhes quando à possibilidade de reconhecimento por outras formas.
Arranjos Alternativos para Cessão com Pluralidade de Cedentes: A LC 208 apenas veda de modo categórico a realização de cessão por determinado Ente Púbico onde reste verificada a existência de mais de um titular de certo “pack de créditos”. Deste modo, será pertinente o exaurimento de possibilidades para viabilização deste tipo de cessão, como por exemplo: formação de parcerias intermunicipais, consórcios etc.
Tratamento Jurídico Securitização: Os rendimentos decorrentes de Certificados de Recebíveis Imobiliários e do Agronegócio (“CRI” e “CRA”, respectivamente) possuem regime de tributação específica. Todavia, os rendimentos oriundos dos títulos decorrentes da “Securitização da Dívida Pública” estão sujeitos ao regramento tributário aplicável aos títulos de Renda Fixa. Logo, é esperado que o tema seja esmiuçado haja vista a necessidade de criação de incentivos para aplicação de recursos em Entes que apresentam situações financeiras críticas, até porque as receitas provenientes das cessões serão revertidas para melhoria das condições de vida da população.
Protesto dos Créditos: Apesar do CTN ter sido alterado a fim de prever que o protesto judicial ou extrajudicial dos Créditos acarretará a interrupção da prescrição para ação de cobrança, ainda se fará necessária a elaboração de normas complementares a fim de que o tema seja de fato revestido de maior segurança jurídica, ou seja, o mecanismo ainda carece de regras quanto ao modo de aplicação e seus limites.
Diante de todo exposto acima, resta aguardarmos futura regulamentação a ser expedida pelos Entes Públicos para consolidação do entendimento ou preenchimento das lacunas do Pontos Remanescentes. Nesse sentido, havendo curiosidade ou dúvidas sobre o tema em discussão, nossas equipes de tributário e societário poderão fornecer maiores detalhamentos sobre LC 208, assim como outros temas (direta ou indiretamente) relacionados.