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Fraudes bancárias e responsabilidade civil das instituições financeiras: até onde vai o dever de indenizar?
Por: Guilherme Pereira
Nos últimos anos, os casos de fraudes envolvendo a troca de cartão bancário têm se multiplicado de forma alarmante, exigindo da advocacia uma análise técnica apurada quanto à responsabilidade civil das instituições financeiras, trata-se de uma modalidade de estelionato cada vez mais sofisticada, que se vale da boa-fé da vítima e de sua desatenção momentânea para obter acesso ao cartão e à senha, realizando, a partir disso, diversas transações não autorizadas.
Diante dos infortúnios sofridos pelos consumidores e das ardilosas estratégias empregadas por fraudadores cada vez mais especializados, muitas demandas judiciais vêm sendo promovidas contra instituições financeiras e administradoras de cartões, sob a alegação de falha na prestação do serviço — o que impõe o necessário enfrentamento da tese da culpa exclusiva da vítima.
A dinâmica do golpe segue, via de regra, um mesmo padrão: o fraudador, muitas vezes se passando por funcionário do banco ou agente de segurança, aborda a vítima e, por meio de artimanhas, consegue obter seu cartão e a senha. Em muitos casos, o cartão é trocado sem que a vítima perceba, e as operações fraudulentas ocorrem logo em seguida, seja em máquinas de pagamento físicas, seja por transferências eletrônicas.
Com efeito, é pacífico na jurisprudência que os bancos respondem objetivamente pelos danos causados por defeitos na prestação de serviços, nos termos do artigo 14, caput, do Código de Defesa do Consumidor. No entanto, o § 3º do mesmo dispositivo estabelece causas excludentes de responsabilidade, dentre as quais se destaca a ocorrência de culpa exclusiva da vítima, hipótese que, uma vez comprovada, afasta o dever de indenizar.
O Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido que, nos casos em que a fraude ocorre mediante induzimento da vítima por terceiros, por meio da chamada “engenharia social”, e não se verifica qualquer falha na segurança dos sistemas da instituição financeira, configura-se a excludente de responsabilidade civil.
Do ponto de vista doutrinário, embora o sistema de responsabilidade objetiva amplie a proteção ao consumidor, ele não pode ser utilizado para justificar a transferência indiscriminada dos riscos da vida cotidiana ao fornecedor, pois a imprudência da vítima, ao fornecer senhas ou entregar seu cartão sem os cuidados mínimos exigíveis, configura fato relevante para a análise do caso concreto.
A jurisprudência pátria vem, cada vez mais, amadurecendo essa compreensão, especialmente em face do avanço das fraudes digitais e da crescente necessidade de preservação do equilíbrio contratual, sendo certo que a responsabilidade objetiva não exonera o consumidor do dever de adotar condutas diligentes e razoáveis.
Importa ressaltar que a alegação de falha genérica na prestação de serviços, por si só, não se sustenta quando inexistem elementos que indiquem qualquer vício no sistema bancário ou nas medidas de segurança disponibilizadas pela instituição financeira, em muitos casos, inclusive, as transações foram realizadas com o uso de senha pessoal e em ambiente físico, o que reforça o argumento de que não houve qualquer comprometimento sistêmico, mas sim comportamento negligente da vítima ao compartilhar ou permitir o acesso aos seus dados sensíveis.
Em suma, os casos de troca de cartão por estelionatários devem ser analisados à luz da prova dos autos, considerando-se, sobretudo, a conduta da vítima, a ausência de violação dos sistemas de segurança do banco e a dinâmica dos fatos. Quando demonstrado que os prejuízos decorreram de comportamento exclusivo do consumidor, afasta-se legitimamente o dever de indenizar, estabelecendo limites da responsabilidade objetiva e equilibrando as relações de consumo.
Por fim, é essencial que os correntistas adotem uma postura mais cautelosa diante do aumento significativo dos golpes envolvendo a troca de cartões e fraudes bancárias, buscando se informar adequadamente sobre as práticas fraudulentas utilizadas por estelionatários, mantendo atenção redobrada ao uso do cartão, evitando entregá-lo a terceiros, mesmo que se apresentem como representantes da instituição financeira, e evitando compartilhar informações sensíveis.
Adotar medidas simples, como conferir constantemente os dados das transações e manter contato direto com o banco em caso de suspeita, contribuem significativamente para prevenir fraudes e resguardar os próprios interesses dos consumidores.