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STF paralisa ações sobre “pejotização” e acende alerta para contratos entre pessoas jurídicas
Por: Lara Sponchiado
Diante do reiterado descumprimento pela Justiça do Trabalho em torno dos precedentes vinculantes do Supremo Tribunal Federal, que reconhecem a validade de outras formas de contratação que não sejam necessariamente contrato de emprego e ratificam a liberdade de organização produtiva dos cidadãos, o Plenário reconheceu na data de hoje 14.04.2025, no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1532603, a repercussão geral em torno da pejotização (Tema n° 1389), e determinou a suspensão nacional de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a matéria e tramitem no território nacional em qualquer grau de Jurisdição, contanto que pendentes de decisão definitiva.
O julgamento do ARE n° 1532603 irá abordar a validade desses contratos pactuados entre pessoas jurídicas, a competência da Justiça do Trabalho para julgar casos de suposta fraude e a definição sobre quem deve arcar com o ônus da prova: o trabalhador Pessoa Jurídica ou o contratante.
A medida prestigia a segurança jurídica e pretende reforçar a previsibilidade nas decisões proferidas pelo Poder Judiciário¹. Entretanto, os críticos alertam que a medida pode esvaziar a competência da Justiça do Trabalho².
Em relação à competência, entendo que se houver um contrato entre pessoas jurídicas, dificilmente a análise inicial da ação não será atribuída à Justiça Comum. Isso porque, no Tema 550, objeto do Recurso Extraordinário n° 606.003, o STF afastou o alcance da competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar controvérsias acerca de contratos de representação comercial, mediante a fixação da seguinte tese: “Preenchidos os requisitos dispostos na Lei 4.886/65, compete à Justiça Comum o julgamento de processos envolvendo relação jurídica entre representante e representada comerciais, uma vez que não há relação de trabalho entre as partes.”
Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Conflito de Competência nº 202726 – SP (2024/0026816-6), relatora Ministra Nancy Adrighi, também decidiu, em 16/02/2024, que cabe, inicialmente, à Justiça Comum, a análise da relação comercial em que se suscita fraude à relação de emprego, nos seguintes termos:
“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA COMUM ESTADUAL E JUSTIÇA TRABALHISTA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO. AÇÃO QUE DEPENDE DA ANÁLISE DA CAUSA DE PEDIR CONSISTENTE NA ALEGAÇÃO DE FRAUDE NA CONTRATAÇÃO AUTÔNOMA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL.
1. Compete à Justiça comum estadual processar e julgar ação indenizatória objetivando o reconhecimento de relação de trabalho, na hipótese em que existe prévio contrato de prestação de serviços firmado entre as partes e em relação ao qual se alega fraude na contratação.
2. Conflito conhecido para declarar competente o JUÍZO DE DIREITO DA 2ª VARA CÍVEL DE ITAPECERICA DA SERRA – SP.” (CC 202726/SP, Relatora: Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, DJe 16/02/2024) (grifos em amarelo do subscritor)
Logo, como o objetivo da suspensão é a estabilidade das relações jurídicas, é provável que o STF também adote esse posicionamento, determinando que cabe à Justiça Comum analisar reclamações trabalhistas em que se discute pejotização, a fim de analisar a validade do instrumento negocial, para, em seguida, se invalidada a avença, em virtude da comprovação de algum vício ou defeito jurídico, seguir-se com a análise pela Justiça do Trabalho, para investigar a existência de autonomia ou dos pressupostos exigidos pelos dispositivos 2° e 3°, ambos da Consolidação das Leis do Trabalho (alteridade, subordinação jurídica, onerosidade, habitualidade, pessoalidade e pessoa física).
É notório que o procedimento nesses moldes garante maior segurança jurídica, uma vez que os filtros se subdividem, cada qual no âmbito de sua competência.
Entretanto, é necessário aguardar os próximos andamentos do ARE n° 1532603, mas, desde logo, a fim de evitar prejuízo futuro, especialmente às reclamadas, suscitar nos processos que estão pendentes de julgamento, seja na fase de conhecimento, seja em virtude de recurso, a decisão que suspende os processos que envolvem esse tema, a fim de que o julgamento vinculante tenha seus efeitos preservados e não prejudicados por celeridade ou presunção de má-fé.
Sem prejuízo de definir competência, como irá adentrar ao mérito da validade do contrato comercial entre pessoas jurídicas, é provável que o STF defina exigências mínimas para que o contrato de pejotização seja considerado válido, imprimindo análise interseccionada entre direito civil e trabalhista, ou seja, apurando os requisitos essenciais do artigo 104, do Código Civil, sem perder de vista balizas mínimas como a condição de hiperssuficiente (o qual, nos termos do artigo 444, parágrafo único, da CLT, corresponde ao indivíduo que possui diploma de ensino superior e recebe retribuição mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social).
Em relação ao ônus da prova, há expectativa de que o encargo seja atribuído ao empresário que alega a fraude. Entretanto, considerando a jurisprudência atual do C. TST, no sentido de que: reconhecida a prestação de serviços, cabe ao empregador provar o fato impeditivo, extintivo ou modificativo do direito do autor, isto é, que a prestação de serviços não corresponde a contrato de trabalho, sob pena de presumir o vínculo de emprego, entendo que a mudança de paradigma proposta pelo STF pode sofrer ainda mais resistência pela Justiça Especializada.
Diante desse cenário, é prematuro fazer previsões acerca do que essa decisão, que reconheceu a repercussão geral em torno da pejotização (Tema n° 1389), e determinou a suspensão nacional de todos os processos pendentes que discutem fraude nas relações de emprego, acarretará. Entretanto, dificilmente o STF se desprenderá de seus recentes posicionamentos, inclusive porque está exigindo coerência e uniformidade da Justiça Especializada.
A suspensão determinada pelo STF representa um marco na consolidação de parâmetros mais objetivos sobre a licitude de contratos firmados entre pessoas jurídicas. Enquanto o julgamento definitivo do Tema 1389 não ocorre, é primordial que as empresas estejam atentas aos próximos andamentos, que podem redefinir os contornos entre autonomia negocial e fraude à relação de emprego.